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O Cirquinho do Teteu

Ele tinha, pelo que me lembro, talvez dez ou onze anos. Era o mais novo dos irmãos e havia montado, no quintal da sua própria casa, uma tenda improvisada com algumas cortinas sustentadas por cabos de vassouras velhas. No centro, um balde de lavar roupas virado ao contrário. Ao redor, algumas banquetas para o respeitável público assistir ao espetáculo. Pregada com um alfinete, uma folha de papel anunciava a atração principal: o palhaço Teteu.

Aquele era seu palco. Era o maior circo do mundo; igual aquele no qual seu pai (que ele nunca conheceu) tentou fugir com a malabarista alguns anos antes. Igual aquele que ele – nas noites de verão em São José do Rio Preto – vendia pipoca na pracinha da frente, tentando espiar por entre as frestas para ver alguma coisa.

Ele saiu de casa para chamar os amigos. Quando voltou, tudo estava destruído. Na parede, letras grandes escreveram com giz: “O Cirquinho do Teteu abriu falência”. Alguém tinha acabado com tudo. Eu ouvi essa historia de meu avô muitas vezes. Em uma delas, ele me confessou que chorou.

Onze, cavalo. Doze, elefante. Treze, galo. Quinze, jacaré. Os números do jogo do bicho eram uma daquelas coisas que ele nunca esqueceu, mesmo no fim da vida. Quando tinha quinze anos, ganhava alguns trocados vendendo cartelas em uma banca de jornal e por isso precisava saber os animais de cor. Um dia, ele arriscou e acertou “na cabeça” de uma dezena. Eu lembro dele sorrindo contando essa historia, enquanto a gente subia a ladeira para seu antigo escritório no alto da Lapa. Ele me contou que pegou todo o dinheiro – sua pequena ‘fortuna’ – sentou em uma pastelaria e comeu três pasteis e um guaraná de dois litros. Ele sempre havia sonhado em fazer isso. “Rafinha, foi o dia mais feliz da minha vida”.

Eu cresci ouvindo as historias do meu avô. Ri muitas vezes das mesmas piadas. Cresci sabendo que ele tinha uma ironia inteligente (e sarcástica) por trás de todos seus atos. Entendi meu avô, minha família e minhas raízes através dos antigos filmes italianos, caminhando por pequenas vilas, comendo pasta e assoviando; enxergava ele em todas as esquinas da Itália. Aprendi a ter prazer em cada pedaço de pudim de leite.

Dizem que, quando um homem morre, um universo inteiro se apaga. Eu tenho lágrimas nos olhos pensando nisso, sentado em um banco de um pub vazio a dez mil quilômetros de distância de casa.

Sei que, no fundo, não é verdade. Teteu, onde quer que você esteja, seu universo se expandiu; a escalação do América –  Seu irmão Ernanes jogando bola – O terrível bandido Lino Catarino – As mulheres turcas da vendinha no centro de Rio Preto – O velho Francesco dançando e tocando gaita com sua longa barba branca.

As cortinas do seu palco estão fechadas, mas suas historias caminham comigo na neblina dessa noite. Vou guardar elas com minha própria vida. Obrigado por tudo, vovô. Eu sempre vou te amar.

retirado do livro ‘Dylan on Dylan’. traduzido por ceriblog.

Existe uma historia de um monge que diz o seguinte:

De uma criança você deve aprender (1) Seja sempre Feliz (2) Chore por tudo o que você quer.

De um ladrão você deve aprender: (1) Trabalhe de Noite (2) Se você não Conseguir o que Quer, tente Novamente na Próxima Noite (3) Ame seus Companheiros de Trabalho (4) Arrisque sua Vida por Pequenas Coisas (5) Não dê muito valor a Nada, mesmo que Tenha Arriscado sua Vida por isso – Faça como um Ladrão, revenda o objeto por uma Fração do seu Valor Real (6) Suporte todo o tipo de Misérias e Torturas, mas Permaneça quem Você é (7) Acredite que seu Trabalho vale a pena e não Mude de Opinião.

Eu achei isso ótimo, e tive que escrever para me lembrar.

Quando escrevo uma música penso naquela luz efêmera.

Você sabe,  é o som da rua com os raios de sol, o sol brilhando em uma hora particular, em um prédio específico. Um certo tipo de pessoas andando por um certo tipo de rua. É um som lá de fora que vem pelas janelas e que você consegue ouvir. É o som de sinos e de trilhos de trem distantes e discussões em apartamentos e o barulho dos talheres e facas e garfos e tiras de couro.

Isso é tudo – tudo que preciso está ali.

283 – Os Homens que Preparam

Saúdo todos os indícios da vinda de uma época mais viril e mais guerreira que irá recolocar a honra e a bravura! Porque essa época deve abrir caminho para outra mais elevada ainda, e recolher a força de que esta terá necessidade um dia – quando introduzir o heroísmo no conhecimento e fizer a guerra pelo pensamento e por suas consequências.

Aí está porque agora são necessários homens valentes que preparem o terreno; esses homens não podem surgir do nada – e tampouco da areia e escuma da civilização de hoje e da educação das grandes cidades: são necessários homens silenciosos, solitários e decididos, que saibam contentar-se com a atividade invisível que perseguem: homens que, com uma propensão à vida interior, procurem em todas as coisas o que há de superar nelas: homens que possuem neles a serenidade, a paciência, a simplicidade e o desprezo das grandes vaidades, bem como a generosidade na vitória e a indulgência com relação às pequenas vaidades de todos os vencidos; homens que tenham um juízo preciso e livre em todas as vitórias e na parte de acaso que há em toda vitória e toda glória; homens que tenham suas próprias festas, seus próprios dias de trabalho e de luto, habituados a comandar com segurança, igualmente prontos a obedecer quando for necessário, igualmente altivos como se seguissem sua própria causa tanto num como em outro caso; homens mais expostos, mais fecundos, mais felizes!

Porque, acreditem em mim! – O segredo para colher a existência mais fecunda e o maior prazer da vida é viver perigosamente. Construam suas cidades na beira do Vesúvio! Enviem seus navios para os mares inexplorados! Vivam em guerra com seus semelhantes e com vocês mesmos! Sejam salteadores e conquistadores, uma vez que não podem dominar e possuir: vocês, que procuram o conhecimento!

* da obra ‘A Gaia Ciência’, de Friedrich Nietzsche

Curta-Metragem Inventário (16/06/2018 – Folha de Londrina)

MATÉRIA DO JORNAL FOLHA DE LONDRINA (16/06/2018) ESCRITA POR MARIAN TRIGUEIROS. FOTO DE MARINA PIRES.

Quando o diretor de cinema Rafael Ceribelli leu pela primeira vez o roteiro do curta metragem “Inventário”, dois anos atrás, teve a certeza de que a história não ficaria guardada na gaveta. Era o primeiro texto do gênero da jornalista Alessandra Pajolla para conclusão de um curso para o Núcleo de Dramaturgia Audiovisual Londrina do Sesi, que, à época, nem imaginava o que estaria por vir a partir dali. A vida deu pequenas voltas e, pouco tempo depois, os dois trabalhariam juntos em outros projetos. Com a aproximação, durante um intervalo e outro, trocavam ideias para ajustes e melhorias do roteiro em questão. “A ideia central foi mantida; o texto foi sendo apenas lapidado e amadurecido”, lembra o diretor, sobre os tratamentos realizados posteriormente pela autora.

De lá para cá, a vontade de ambos em tirá-lo do papel e gravar foi tomando corpo. “Participei de praticamente todo o processo. Como seria o primeiro roteiro que não era meu que dirigiria, isso me ajudou a formatar a maneira como contaria essa história e transformaria a ideia em outra linguagem e imagens”, relata Ceribelli. A aprovação do roteiro no edital de Produção e Distribuição de Obras Audiovisuais, realizado em 2017 pela Seec (Secretaria de Estado da Cultura), em parceria com a Ancine (Agência Nacional de Cinema), foi o pontapé que precisavam. O edital contemplou sete projetos do interior do Estado, sendo seis de Londrina. “Começamos, então, a produção e a execução propriamente dita com todas suas aventuras, desafios e limitações.”

Uma dessas dificuldades seria encontrar espaços para a gravação das cenas, já que não há na cidade nenhum estúdio específico para a atividade. O levantamento de locações ficou a cargo do produtor de locação e designer de produção Bruno Marconato que, em sua pesquisa, incluiu pontos que fazem parte da história da população de Londrina, porém, não são, necessariamente, turísticos. Entre eles, está a redação de jornalismo da Folha de Londrina, localizada desde 1957 no Condomínio Conjunto Folha de Londrina (que integra o complexo composto pela sede do Grupo Folha de Comunicação, Edifício Angélica e Edifício Mônaco). Na lista de locação estão ainda o tradicional Estoril Bar (aberto em 1962 por Lucílio Antunes Anacleto), Ferro Velho Batista, Barbearia Londrina e Pedreira da região Sul.

GRAVAÇÕES

O primeiro dia de gravações aconteceu há duas semanas, na redação da FOLHA, e movimentou um grupo de cerca de 30 pessoas entre atores, figurantes e equipe técnica. “A história não é caracterizada na cidade, mas em um grande centro urbano não declarado. Porém, quem é de Londrina conseguirá reconhecer alguns locais”, explica Marconato. Para que os ambientes estivessem dentro da perspectiva visual da direção de fotografia comandada por Anderson Craveiro, foram feitas apenas pequenas intervenções, como retirada ou colocação de alguns objetos. “Todos esses lugares são espaços que trazem muito das características das pessoas que fazem parte dali. A redação da Folha de Londrina é um ambiente com vida, que realmente funciona, o que traz ainda mais veracidade para a cena”, pontua.

Na cena gravada, o protagonista – Ralf, um cartunista de meia idade vivido pelo ator Adriano Garib – caminha por parte da redação até chegar à sala de seu chefe vivido pelo jornalista e ator Jersey Gogel, quando leva um esporro e, depois, sai direto para o bar, neste caso, o Estoril (no Centro Comercial). Apesar dos poucos minutos, será possível ter uma ideia de onde trabalham os jornalistas da Folha de Londrina, cuja configuração das mesas está distribuída em “ilhas”, mostrando a dinâmica de uma redação de jornal. “Não entrava da redação do jornal há mais de 20 anos e, nestas gravações, revivi muita coisa e revisitei alguns lugares do período em que morei na cidade, de 1983 a 1994. A escolha das locações pela equipe foi de extrema sensibilidade, que também executou planos ambiciosos de filmagem”, comenta Garib, que é formado em Jornalismo pela UEL (Universidade Estadual de Londrina).

A história de “Inventário” trata de questões familiares e a relação conturbada com o pai que o cartunista Ralf tem de reviver após a morte dele. “Ralf é um artista talentoso e criativo que desenha em todos os cantos. Tem um perfil taciturno e ao mesmo tempo muito boêmio, como os jornalistas da velha guarda. Depois da morte do pai, ele precisa superar os traumas que o atormentam e acertar as contas com o passado”, detalha a roteirista Pajolla, que também é assistente de direção do curta. As locações escolhidas, bem como os atores e equipe técnica, segundo ela, trouxeram outras perspetivas ao roteiro que ganhou outras camadas com a participação dos profissionais. “A partir do momento em que se entrega o roteiro, a história não é mais sua. Ver de perto essa transformação não foi fácil, mas foi surpreendente”, avalia.

LONDRINA NA ROTA

No total, sete projetos de curtas foram contemplados neste mesmo edital com verba exclusiva para cidades do interior; cada um receberá o recurso de R$ 60 mil. Ao todo, o edital destinou no Estado R$ 3,75 milhões para a produção de curtas e longas-metragens, telefilmes e projetos de distribuição de obras cinematográficas em geral. Nesta lista, estão ainda os curtas-metragens londrinenses “Pequenos Delitos”, de Roberta Shizuko Takamatsu; “A Rainha Negra das Passarelas”, de Artur Ianckievicz Filho Cleo; “Redenção”, de Alessandra Pajolla, “Nigredo”, de Auber Silva Pereira Filho; e “O Padre e o Bento”, de André Luiz Bett Batista, da cidade de Maringá.

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