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Entrevista no programa “Modos de Vida”, com Patrícia Zanin

*Entrevista realizada no dia 19/05/2017, na Rádio UEL FM. Release de Mariana Sanches

“Quando eu dizia que queria fazer cinema, todo mundo falava: você é maluco”. O diretor e roteirista Rafael Ceribelli Nechar está com três projetos nessa área. O curta A Caça; o western Sertão de Sangue e uma série para TV. Em entrevista ao Modos de Vida, ele contou também como é o seu trabalho para a Netflix: assiste filmes e faz relatórios, contando os pontos específicos de cada obra. “É um trabalho menos artístico do que parece”, comenta.

Formado em Filosofia e Jornalismo, Ceribelli diz que trabalhar com cinema em Londrina é a realização de um sonho. Ele está no novo projeto do diretor e cineasta Rodrigo Grota. Serão filmados 26 episódios de 13 minutos cada (o equivalente a quatro longas). De acordo com Ceribelli, o objetivo principal dos curtas é trabalhar o universo da imaginação infantil.

Ele afirma que falta mão-de-obra para o cinema em Londrina e para formar mais gente da área, a produtora Kinopus Audiovisual e a Aliança Francesa promovem uma Oficina de Roteiro com o premiado roteirista, escritor e dramaturgo Doc Comparato. A oficina começa hoje e vai até sexta, das 19 às 22 horas. A inscrição tem o valor de 400 reais. Restam poucas vagas. Mais informações pelo telefone 3324 7508.

Andrea Tonacci

Não sei se é só comigo. Não sei se posso chamar de sincronismo junguiano, padrão no caos ou mera coincidência.

O que sei (e sinto) é que, volta e meia, durante esse ritual eterno e sem sentido de remexer gavetas velhas e desenterrar esqueletos de texto,  me vejo de frente com um sentimento recorrente: é o passado gritando nos ouvidos do agora, reverberando como um sino dentro de uma imensa catedral vazia.

Dessa vez, foi uma entrevista. Assinei ela para a Folha de Londrina em 19 de fevereiro de 2011 quando, vestido com a ‘capa’ de repórter cultural conversei pela primeira vez com o cineasta Andrea Tonacci; reconhecidamente um dos maiores expoentes do cinema marginal brasileiro. Não lembro dessa entrevista, e nem dela ter me despertado qualquer sentimento particular – conhecia apenas superficialmente o trabalho de Tonacci na época e não me interessava muito. Esqueci tudo rapidamente. Olhando para trás, eu era meio ingênuo. Ou idiota. Ou as duas coisas.

A entrevista segue abaixo:

Qual é a maneira ideal de se aprender a fazer cinema? 

Tonacci – Quanto ao aprender, só tentando, só fazendo. Para mim pensar cinematograficamente tem a ver com o aprendizado dos sentidos, a um estado de atenção mais consciente. O resto é braçal, suor e lágrimas, mecânico, digital, etc… Hoje, com 67 anos de idade, entendo a continuação do meu aprendizado cinematográfico como um procedimento de desapego a conceitos e imagens pré-existentes, persistentes, reincidentes. É como ter aprendido que é preciso fechar os olhos para ver o fluxo do próprio imaginário.

Qual a sua impressão sobre o crescimento do mercado do cinema brasileiro e a abertura de novos cursos sobre o assunto? 

Tonacci – Só se for o crescimento da linguagem de TV nas salas de cinema. Aliás, salas de shopping – lojas. Nelas, o consumido é o espectador. Cabide temporário do que lhe derem para ver e vestir. O Brasil é essencialmente mercado e serviços, é o “projeto Brasil”. E mercado só cresce, senão não é mercado. Nisso, constato que a grande maioria dos cursos são para criar deslumbrados funcionais, futuros frustrados passionais, para operação da parafernália tecnológica mutante. Enquanto o aprendizado do pensar, olhar, ver, ouvir, sentir, imaginar, nada disso é essencial. Só conheço um único curso que inclui, por exemplo, filosofia na área do audiovisual.

Em sua opinião, ainda existe público e espaço para o cinema dito “marginal”, com propostas de linguagem diferenciadas? 

Tonacci – Basta entrar na web para você ver a quantidade de filmes marginalizados e de “marginais” copiando, baixando… É a partir de agora que esse cinema livre vai aparecer como potência global de enfrentamento à indústria bélica do audiovisual indiferenciado. E sua exibição é independente de qualquer controle.

Em entrevista para a revista Contracampo, o senhor diz esperar que a garotada tenha raiva do que está acontecendo no mundo. Sobra conformismo para a juventude de hoje? 

Tonacci – Não creio, é o terrorismo de estado que cresceu. Sua violência física, ética e moral redimensionou a condição do sentimento de liberdade e de revolta. Hoje briga-se pela visibilidade, uma briga de foice! Vale tudo para se dar bem, e dane-se o mundo. A autoimagem pública foi incorporada à identidade pessoal. Os filmes expressam a mutante condição humana diante do mundo que o próprio homem constrói. Mas aí estão revoltas populares e homens bomba para provar que a insatisfação está no auge. Veja o incorformismo que rola da web e explode socialmente, os filmes “clandestinos” são exibidos de mão em mão, as pessoas têm fome absoluta do diferenciado.

Como funciona seu processo criativo?

Tonacci – Ficar quieto, acalmar, deixar esvaziar tudo, voltar ao momento presente dos sentimentos e aguardar atento a formação de uma nova onda, ir ao seu encontro, entender sua força, velocidade, deixar-me levar e surfá-la, mas pode ser que não seja a boa, então nado de volta… mas é sempre o mesmo mar… que são meus sentimentos, questionamentos, emoções. Recentemente compreendi que Pereio no “Bang bang” (1970) é o mesmo personagem do Carapirú no “Serras da Desordem” (2006). O mesmo homem diante do mesmo mundo, o mesmo homem em dois momentos de sua vida. Depois é muita pesquisa, trabalho braçal, permeação na realidade cotidiana e questionamento constante.

*retirado do livro “Conversas com orson Welles”, de André Bazin

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Procuro sempre a síntese: é um trabalho que me apaixona, pois devo ser sincero em relação ao que sou e não passo de um experimentador; experimentar é a única coisa que me entusiasma. Não me interesso pelas obras de arte, pela posteridade, pela celebridade, apenas pelo prazer da própria experimentação: é o único domínio em que me sinto verdadeiramente honesto e sincero.

Não tenho devoção alguma ao que faço; é realmente sem valor aos meus olhos. Sou profundamente cínico em relação ao meu trabalho e à maioria das obras que vejo no mundo. Mas não sou cínico ao ato de trabalhar sobre uma matéria-prima. É difícil explicar. Nós, que fazemos profissão de experimentadores, herdamos uma velha tradição: alguns foram grandes artistas, mas nunca fizemos musas de nossas amantes.

Agora estou escrevendo e pintando, buscando um meio de gastar minha energia, pois passei a maior parte dos últimos anos correndo atrás de dinheiro; se fosse escritor, ou sobretudo pintor, não teria que fazer isto. Não posso passar o resto da minha existência em festivais ou em restaurantes mendigando fundos.

Trecho da entrevista Sobre Sentimentos e a Sombra, de C.G. Jung

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E o que é de fato o sentido de nossa existência?

Devemos ser todos tigres, tigres amáveis que só se alimentam de maçãs? Tigres vegetarianos – isso é simplesmente uma anormalidade, algo doentio. E assim é o homem que não vive na terra e a ela não paga seu tributo.

Simplesmente estamos expostos e precisamos justamente reconhecer o fato de que estamos expostos. Pericolosamente Vivere – a vida é um risco! E caso não seja, então nada aconteceu. Por isso podemos dizer juntamente com Voltaire no leito de morte quando o abade, o confessor, lhe perguntou: “O senhor se arrepende de todos os seus pecados, senhor Voltaire?” – Sim, meu pai, e sobretudo daqueles que jamais cometi. Isso é verdade, enormemente verdade!

Mas o que seríamos se todos nós fôssemos bons? O que seria? Seria absolutamente nada! Então não se necessitaria de religiões, de igrejas, de nada. Então nada aconteceria. Não haveria mais diferenças. Não existiria mais um declive. Não haveria mais objetivo, pois o objetivo já teria sido alcançado há muito tempo. Nasceríamos com harpas em nossas mãos e durante toda a nossa vida cantaríamos louvor e nada mais. Mortalmente fácil! Também não há energia sem declive. Declive significa opostos!

Quem não abriga os opostos dentro de si não está vivo. Ao invés disso, é um neurótico morto que apenas geme, mas não vive.

Loucura e Solidão

Texto publicado no blog inCast na coluna de novembro/2015

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Faz algum tempo que afirmo que os melhores roteiristas da atualidade preferem trabalhar para séries de TV do que para o Cinema; isso acontece, em parte, por causa da criação do papel de Showrunner nas emissoras (geralmente o escritor que é o ‘dono’ da ideia é que monta sua própria equipe para desenvolver e produzir um seriado, com bastante liberdade criativa). Um livro fundamental para entender o movimento intitulado de Era de Ouro da TV Americana é o Homens Difíceis, escrito pelo jornalista Brett Martin e que revela os bastidores de produções marcantes como Familia Soprano (HBO 1999/2007), The Wire (HBO 2002/2008), Breaking Bad (AMC 2008/2013) e Mad Men (AMC 2007/2015). Hoje as séries e canais VOD, como Netflix e Hulu, são onde estão a verdadeira experimentação cinematográfica e conteúdo adulto – isso é confirmado pela migração de grandes nomes como Scorsese, Spielberg e Woody Allen para essa nova maneira de storytelling. O fato é que a maioria do que é hoje produzido e distribuído em grande escala para o Cinema tem, infelizmente, o valor artístico de uma montanha-russa da Disney. Na primeira (e última) vez que entrei em uma sessão 4XD, saí molhado com esguichos de água e tonto pelo movimento da cadeira vibratória. O filme é o que menos importa.

Não tenho intenção de me aprofundar no assunto da indústria do Cinema ou no papel dos Showrunners – quem sabe em um próximo post. Comecei a escrever um pouco distraído, ouvindo Chet Baker e pensando em Mad Men; uma das séries que tem ‘permanecido’ comigo depois do fim. Volta e meia me surpreendo pensando em seus cenários enfumaçados e diálogos temperados com existencialismo. Estive recentemente em Nova York e caminhei sob os passos fictícios de Don Draper, e mais de uma vez fiquei em um balcão tomando um Old Fashion pensando no final da terceira temporada da série – que encerra com a pergunta de uma loira exuberante para um protagonista desiludido com o amor: “Você está sozinho?”.

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O pintor nova-iorquino Edward Hopper dizia que se ele pudesse expressar o que sentia em palavras, não existiriam motivos para pintar. O que transforma Mad Men em uma série especialmente boa é exatamente o que não é dito, o que fica implícito dentro da orgia americana de consumo, álcool e drogas. O criador da série Matthew Weiner escreve pelas entrelinhas mais do que uma história sobre a publicidade e a revolução cultural; Don Draper personifica a solidão esmagadora do homem moderno, a individualidade sepulcral das grandes metrópoles, o amor inventado para vender lingeries e a busca da felicidade como artifício para consumir Coca-Cola. É de um cinismo brilhante.

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Hemingway costumava dizer que para escrever um bom romance era preciso pensar nele como a ponta de um iceberg. Apenas o autor saberia o que está escondido nas profundezas de cada personagem, mas era absolutamente necessário que tudo estivesse lá. Uma boa história deve ser mais real do que a própria realidade. Uma das coisas que mais fascinam em Mad Men é a quantidade de camadas submersas em sua narrativa. Em um capítulo da primeira temporada Draper cita La Notte, obra-prima de Michelangelo Antonioni, como um de seus filmes favoritos – não por acaso, no mesmo episódio em que ele escapa com uma de suas amantes para uma casa de praia. Os nomes dos episódios e os enquadramentos de câmera também indicam o arcabouço referencial sobre o qual a série se sustenta; A Tale of Two Cities – romance de Charles Dickens que também é nome de um dos episódios – tem passagens brilhantes sobre a solidão humana em grandes metrópoles, e as pinturas de Edward Hopper certamente serviram como inspiração para a montagem dos takes durante a série (recortei parte do texto e fiz uma montagem para exemplificar o que estou falando. As referências estão abaixo).  

Enfim, uma grande narrativa possui infinitas camadas. O sabor inebriante de Mad Men vai permanecer comigo por mais algum tempo, reaparecendo periodicamente em um jazz dos anos 50 ou entre uma dose e outra de uísque misturado com laranja e angostura.

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Trecho de ‘A Tale of Two Cities’, de Charles Dickens. 

“Um fato extraordinário a merecer reflexão é o de que cada ser humano se constitui num profundo e indecifrável enigma para todos os demais. Sempre que entro numa grande cidade à noite, considero com solene gravidade que todas aquelas casas fechadas e escuras encerram seu próprio segredo, que cada aposento em cada uma delas oculta um mistério, que cada coração pulsando nessas centenas de milhares de peitos esconde algum segredo para o coração que está ao seu lado!

Alguma coisa de horror, até mesmo da Morte, tem a ver com esse fato. Não mais posso virar as folhas daquele querido livro que amei e em vão pretendi ler. Não mais posso contemplar as profundezas dessas águas insondáveis nas quais, à luz fugaz dos relâmpagos, vislumbrava tesouros enterrados e outras preciosidades submersas.

Meu amigo está morto, meu vizinho está morto, meu amor, a eleita de minha alma, está morta; e essa é a inexorável consolidação e perpetuação do segredo que sempre existiu nessa individualidade, e que eu próprio também carregarei comigo até o fim da minha vida. Dormirá, nos cemitérios desta cidade por onde agora passo, alguém mais inescrutável do que é para mim qualquer de seus habitantes vivos e ativos, ou do que sou eu próprio para eles


Montagem dos takes finais de Mad Men

Obras de Edward Hopper
Automat (1929) / Nighthawks (1942) / Office in a Small City (1953)
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