Escrito e publicado por Rodrigo Grota em sua coluna no Portal Bonde (acesse aqui)
Todos sabem que o meu terreno é o cinema. Assisti a poucas séries de TV, e confesso que vi na íntegra apenas uma – True Detective. No entanto, com a crescente qualidade dos roteiros para algumas séries, é cada vez mais comum encontrar textos sobre uma suposta dualidade entre o cinema e a TV. Estaria hoje a TV americana mais madura, em termos estéticos e de dramaturgia, que a produção de Hollywood?
Para compreender um pouco mais essa questão, conversei com o jornalista e cineasta Rafael Ceribelli. Especialista em séries de TV, e também um amante do Cinema, ele é o responsável pela plataforma internacional de roteiros Scripitch, criada há dois anos e que desde então abriga roteiros de vários países. Trabalhamos juntos pela primeira vez em 2013, quando ele foi corroteirista do curta Parque Guanabara, dirigido por Guilherme Peraro em uma parceria com a RPC (retransmissora da TV Globo no Paraná).Há 3 anos Ceribelli tem sido um constante colaborador nos nossos projetos na Kinopus. Foi assistente de direção no longa-metragem Leste Oeste (previsto para estrear em 2016), no curta Mister H (uma coprodução que realizamos com a produtora francesa Senso Films) e também no documentário O Nadador – A História de Tetsuo Okamoto (produzido para os canais ESPN).
Amante de Fellini e Welles, leitor de Hemingway e Conan Doyle, Ceribelli também escreve. Seu conto “A Caça” será rodado pela Kinopus em breve. E já tem duas séries prontas para TV.
Entre os dias 22 e 24 de setembro, ele vai ministrar uma Oficina de Roteiro para Séries de TV no Centro Cultural Sesi, em Londrina. Esse é o primeiro curso do gênero ministrado na cidade. Asinscrições vão até a próxima semana e podem ser feitas nesse link. Restam poucas vagas.
Para iniciar essa aproximação desta Coluna ao universo de Séries de TV, enviei três perguntas ao amigo. Confira, portanto, as respostas, que são também uma espécie de aperitivo do que será o curso a ser realizado dentro de duas semanas.
Quais são as 3 séries de TV que mais o fascinaram? Comente um aspecto delas que o seduziu.
Rafael Ceribelli: É uma pergunta bem difícil principalmente porque a quantidade de séries de qualidade lançadas hoje em dia é surpreendente, e existem várias muito bem escritas. Para mim, a série mais marcante que já assisti ainda é The Sopranos (1999/2007), mas ela é seguida de perto por The Wire(2002/2008), Rome (2005/2007) e Mad Men (2007/2015).
Elas se destacam por motivos diferentes: The Sopranos é mais do que uma releitura da Cosa Nostra americana. A série é uma jornada pessoal do chefe de uma família mafiosa (Tony Soprano, interpretado brilhantemente por James Gandolfini), que é um homem atormentado pela própria fraqueza e pelas pressões de ser o líder de uma organização criminosa. Acabamos desenvolvendo uma empatia pela figura de Tony; olhamos para o abismo da psiquê do personagem, e o abismo nos encara de volta.
Acho que nenhuma outra série conseguiu explorar um tema com tanta profundidade quanto The Wire. Criada pelo jornalista David Simon, a narrativa é construída tendo como ponto de partida uma investigação policial para combater o tráfico de drogas em Baltimore – uma das cidades mais violentas dos EUA. A investigação se desenrola através das seis temporadas, criando um olhar complexo sobre o mundo do crime e do tráfico de drogas, e de como tudo isto se relaciona diretamente com o sistema político e jurídico na sociedade americana. É imperdível.
Rome é uma viagem épica que revela os bastidores sangrentos da transição da República para o Império Romano com uma qualidade espetacular – até hoje o melhor Julio César que já vi. Para ser historicamente correta, a série teve o aconselhamento de historiadores e foi inteiramente gravada nos lendários estúdios da Cinecittà, em Roma.
Você concorda com a ideia de que algumas séries de TV conseguiram atingir uma profundidade dramática próxima de obras da literatura e do teatro? Se sim, qual personagem causou maior impacto em você enquanto espectador?
RC: Atualmente os melhores roteiristas do mercado preferem trabalhar em séries, especialmente porque os grandes estúdios já não se interessam no investimento em roteiros originais – é só reparar na quantidade de filmes baseados em livros e HQs que entram em cartaz nos últimos anos. No meio dessa configuração, o lugar que acolheu de braços abertos a liberdade criativa dos escritores foi a televisão (e, mais recentemente, canais VOD). De modo geral, as séries de hoje abordam temas mais adultos do que os filmes lançados pelas grandes redes no cinema. Tony Soprano ainda é il capo di tutti capi, mas a lista de personagens fascinantes continua com Don Draper, Walter White, Frank Underwood, Tyrion Lannister, Rust Cohle, Titus Pullo, etc…
Como você vê o mercado brasileiro para séries de TV?
RC: Seguindo na corrente inversa da economia, o mercado brasileiro de produção audiovisual mantém um crescimento constante e tem espaço para crescer nos próximos anos, principalmente pela entrada de novos players que buscam conteúdo original. Acho que a principal questão é que ainda não temos roteiristas qualificados com formação para escrever séries. Não estamos acostumados com esse formato e precisamos dominar a técnica dessa maneira de contar histórias. Uma série não é uma novela e nem um filme ‘esticado’ e dividido por capítulos. Uma série exige um trabalho em equipe colossal, uma ‘injeção de DNA’ imensa para ela poder criar pernas e evoluir naturalmente. Não é apenas contar uma boa historia; a criação de uma série é a criação de um universo, de um jogo com regras próprias que devem ser minuciosamente trabalhadas. O desafio está mais no desenvolvimento de conteúdo do que na própria demanda do mercado.
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