*Retirado do texto “Sobre a Brevidade da Vida”, de Sêneca. Editado e traduzido por Ceriblog.
“A maioria dos mortais reclamam amargamente da ironia da Natureza, porque nascemos apenas para vivermos um sopro de vida, e porque mesmo este espaço que nos foi ofertado se acelera tão rapidamente que apenas alguns conseguem achar satisfação na existência, e isto geralmente acontece perto do fim (…) O problema não é que temos pouco tempo para viver. A vida é longa e generosa o bastante para permitir a realização dos feitos mais grandiosos; e isto acontece quando nosso tempo é bem investido.
Então é isto – a vida que recebemos não é curta, mas nós fazemos ela ficar curta. Não nos falta tempo, mas desperdiçamos o tempo que recebemos. Da mesma maneira que uma grande riqueza é dissipada nas mãos de um mal indivíduo, e que esta mesma riqueza se mantém e até se multiplica na cautela sábia de um bom guardião. Assim também é a vida.
Porque reclamamos da Natureza? Porque um homem tem uma ganância insaciável, o outro se dedica a tarefas inúteis; outro é envenenado pelo próprio vinho, outro paralizado pelo ódio, outro depende da decisão dos outros; muitos são mantidos ocupados perseguindo a fortuna de outro homem ou reclamando da própria condição. Muitos, possuídos pela preguiça, vagam pelo mundo sem objetivos e sem possuirem nenhuma virtude pela qual se guiar. O destino toma conta de todos estes homens, e eles não percebem isto pois estão se arrastando ou bocejando. É difícil duvidar da verdade que os grandes poetas nos entregam, liricamente, sob a forma de uma sentença que mais parece saída de um oráculo: “A parte da vida que nós vivemos é realmente pequena”. Todo o resto da existência não é vida. É mero desperdício de tempo.
Reflita em sua memória e considere qual foi a última vez que você fez planos? Em que momentos sua face vestiu-se apenas com a expressão natural? Quando foi que sua mente esteve tranquila? Que trabalho você conseguiu construir até agora? Quantas pessoas que te roubaram tempo, especialmente quando você não se dava conta do valor do que estava perdendo, e quanto dele foi gasto em tristezas inúteis, alegrias passageiras, em desejo desmedido, em convenções da sociedade. É pouco de você que sobrou para você mesmo; esta é a morte vinda em plena existência. Você respira, mas morre antes do tempo.
Isto acontece porque você vive como se fosse destinado a viver para sempre, sem nenhum pensamento de sua própria fragilidade ou de quantos anos já passaram. Você possui o medo dos mortais e o desejo dos imortais. Com certeza já ouviu alguém dizendo, com orgulho: “Quando eu fizer sessenta anos eu vou me aposentar e fazer apenas aquilo que eu quero”. Essas pessoas deviam se envergonhar de reservarem para si mesmas apenas o remanescente da vida, e de planejarem começarem a viver quando estão, na verdade, começando a morrer.
Por isso não existe razão de assumir que um homem viveu muito apenas por conta de seus cabelos grisalhos e pele enrugada; ele não viveu muito – ele existiu muito. Da mesma forma que um marinheiro que sai do porto para uma terra longingua, mas que no meio do caminho enfrenta tempestades que o fazem rodar em círculos, retornando no final ao mesmo ponto em que partiu. Ele não fez uma jornada satisfatória, apenas sobreviveu às intempéries, arrastado pela correnteza.
De todos os homens que em sua solidão tomam tempo para a Filosofia, estes são os que realmente vivem; porque eles não estão satisfeitos a serem guardiões apenas de seu próprio tempo. O sábio acrescenta todas as eras à sua própria contemporaneidade. Ele sabe que toda a humanidade foi nascida para nós. Pelo trabalho de nossos antepassados, o filósofo se guia para a visão das coisas mais belas que existem, reflexões que foram retiradas das trevas do pensamento e trazidas à luz para nossa apreciação.
O Filósofo consegue, através da reflexão, ultrapassar os limites estreitos da existência humana. Podemos argumentar com Sócrates, duvidar com Carneades, encontrar a paz com Epicuro, transcender a natureza humana com os estóicos, ou se aprofundar nela com os cínicos. Nada disso vai te fazer desperdiçar tempo, mas tudo vai te ensinar a morrer. A sabedoria não gasta nossos anos. Ao contrário, ela acrescenta vida à nossa existência; a vida do filósofo não está confinada dentro das cortinas que limitam a visão do resto da humanidade.
Mas aqueles que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro, estes estão destinados a terem uma vida curta e problemática; estes pobres indivíduos percebem que o tempo passou tarde demais, e morrem amargamente, porque sabem que ficaram pela maior parte de suas vidas sem realizar absolutamente nada.
O problema não é que temos pouco tempo para viver, mas que desperdiçamos a maioria dele.
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